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Desigualdade e racismo afeta a inserção de pessoas negras na tecnologia

Tecnologia e Inovação
calendar 18.11.2021

A população negra sofre ao longo dos anos uma dolorosa realidade de apagamento e exclusão. No entanto, se hoje é possível apertar o “pause” enquanto joga videogame é graças a Gerald A. Lawson, homem negro e engenheiro norte-americano. Essa e outras funções muito utilizadas nos dias atuais foram resultado do trabalho árduo de pessoas negras que tiveram sua história esquecida e modificada pela sociedade. 

No Brasil, cerca de 54% da população é negra de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) de 2020. No entanto, as pessoas negras são as que mais sofrem com a desigualdade racial no país, sendo a minoria no ensino superior, no mercado de trabalho e a maior vítima de violência policial no Brasil.

Dados do Monitor da Violência mostraram que em 2020, 78% dos mortos pela polícia eram negros. A cada cinco pessoas mortas pelas polícias militar e civil, quatro eram pretas ou pardas. Já no ensino superior, a desigualdade também se mostra em dados, com apenas 613 mil pessoas que se declaram pretas nas universidades, representando apenas 7,1% de 8,6 milhões de pessoas. E no mercado de trabalho, a taxa de desemprego entre os pretos ficou em 17,8% e entre os pardos em 15,4% no ano de 2020. 

E apesar de diversas criações e descobertas que são úteis até hoje, na tecnologia as pessoas negras também são a minoria. Uma pesquisa realizada pelo PretaLab em parceria com a Softwares ThoughtWorks apontou que em 32,7% dos casos não há nenhuma pessoa negra em equipes da área.  Para Simara Conceição, 32 anos e desenvolvedora de software na Thoughtworks, esses dados são reflexo de uma construção histórica da sociedade brasileira onde foi institucionalizada e estruturada a tentativa de exclusão de pessoas pretas dos lugares de intelectualidade, inovação e boa remuneração. 

Simara também é criadora do podcast e da comunidade “quero ser <dev>”, criado para inspirar mulheres diversas a migrar para a tecnologia e mudar a história de suas famílias e da sociedade. “Ouvindo cada história no podcast ou depoimentos das minhas alunas/seguidoras, eu percebi que quando uma mulher preta aprende a programar, ela aprende muito mais que construir soluções com algumas linhas de códigos, ela aprende a ter autonomia real e colabora para a transformação do seu entorno, seja família ou comunidade. E assim byte por byte, a gente vai hackeando o sistema e desinstalando o racismo, o sexismo e as outras opressões violentas e criminosas”, conta a desenvolvedora. 

Projetos como o da desenvolvedora de software são de extrema importância para mudar a realidade que as pessoas negras vivem no Brasil e também no mundo. 

Por dentro do racismo nos algoritmos 

No ano de 2017 um vídeo viralizou nas redes sociais quando Chukwuemeka Afibo, diretor de parcerias do Facebook no Oriente Médio e na África, publicou um vídeo em sua conta do Twitter mostrando como uma saboneteira automática não reconhecia a pele negra, pois não liberava o líquido para ele, só para pessoas brancas e itens da cor branca. 

Geralmente essas saboneteiras são acionadas por lâmpadas de LED, uma luz invisível que quando refletida para o sensor libera o sabão. Mas nesse caso isso não aconteceu e gerou um longo debate acerca da representatividade negra na tecnologia. 

https://twitter.com/nke_ise/status/897756900753891328?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E897756900753891328%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fgauchazh.clicrbs.com.br%2Ftecnologia%2Fnoticia%2F2019%2F04%2Fcomo-a-ausencia-de-negros-trabalhando-em-tecnologia-impacta-os-produtos-criados-para-facilitar-nosso-dia-a-dia-cju32g40e00x001nvv1495xmq.html

Outro caso que foi muito discutido no ano de 2020 foi o algoritmo do Twitter que dava prioridade para fotos de pessoas brancas quando eram postadas lado a lado com a de uma pessoa negra. O caso veio à tona quando um usuário reparou que ao publicar a imagem de pessoas negras e brancas lado a lado, a rede social dava preferência para o rosto da pessoa branca, independentemente de como as fotos estivessem posicionadas. 

As denúncias levaram o Twitter a realizar um experimento com o algoritmo de saliência. Quando uma pessoa posta uma foto no Twitter, esse algoritmo cria um quadro que destaca automaticamente um trecho da imagem de uma forma que mostre o conteúdo mais significativo. O recorte é feito por uma inteligência artificial treinada para destacar aquilo que ela acha que o usuário gostaria de ver primeiro. 

O experimento interno do Twitter identificou padrões de potencial racista e sexista em seu algoritmo de recorte de fotos em cenários como:

  • Diferença geral de 4% na paridade demográfica que favorece pessoas brancas;
  • Ao comparar fotos de mulheres negras e brancas, o algoritmo mostrou 7% mais brancas;
  • Entre homens brancos e negros, a diferença foi de 2% para brancos
  • Ao selecionar homens e mulheres, o algoritmo preferiu destacar mulheres em 8% dos casos; 

Após os testes o Twitter revelou que estão desenvolvendo melhorias no sistema de destaques em imagens, que já começaram a ser implementadas nos sistemas Android e IOS. 

Como mudar essa realidade na tecnologia?

Para Wanderson Reis, 24 anos, estagiário de Analytics, essa realidade só pode ser mudada através da educação. “Educação é a base de tudo, o número de negros nas universidades na área de tecnologia ainda não é expressivo, o interesse por essas áreas ainda é baixo comparado as áreas tradicionais como medicina e engenharias”, conta ele.

De acordo com dados do IBGE de 2020, cerca de 10 milhões de jovens brasileiros entre 14 e 29 anos de idade deixaram de frequentar a escola sem ter completado o ensino básico. Dentre eles 71,7% são pretos ou pardos. A maioria dos entrevistados afirma ter parado de estudar para trabalhar. 

A pesquisa também revelou que jovens negros passam em média quase dois anos a menos na escola do que brancos.  A taxa de analfabestismos também é quase três vezes maior entre negros. Quase 10 a cada 100 negros com mais de 15 anos não sabem ler e nem escrever, enquanto entre brancos da mesma idade a taxa é de 3,6%. 

Outro problema que também atinge a população negra de baixa renda é a falta de saneamento básico. A Síntese de Indicadores Sociais (SIS) realizada pelo IBGE em 2018 mostrou que 54,7% dos domicílios resididos por pessoas negras ou pardas tinham acesso simultâneo aos serviços de abastecimento de água por rede geral, esgotamento por rede coletora ou pluvial e coleta direta ou indireta de lixo. Enquanto nos domicílios resididos por pessoas brancas, esse percentual subiu para 72,1%. 

“Neste cenário de desigualdades gritantes, e ainda mais acentuadas pelo contexto de pandemia, pessoas pretas, periféricas e pertencentes a outros grupos sub-representados na tecnologia em sua maioria não possuem acesso à internet, acesso à computadores e sofrem com a privação aos direitos básicos de moradia, higiene, saúde e educação”, revela Simara. “Sem dignidade e sem acesso aos direitos básicos, a corrida é muito injusta para grupos minorizados que construíram ou estão construindo uma carreira na tecnologia. Por isso é tão importante a criação de políticas públicas somadas aos processos afirmativos”, conclui ela. 

Simara acredita que a sociedade brasileira está caminhando a passos lentos para o processo de criação de um futuro tecnológico com mais equidade, mas que existem projetos que estão trabalhando para trazer mais pessoas negras para essa área. “Se eu não tivesse participado desses programas, dificilmente estaria construindo e acelerando minha carreira como dev”, declara. 

A desenvolvedora foi a primeira geração de sua família por parte de mãe que não seguiu a carreira de empregada doméstica. “Eu me orgulho muito do meu antepassado de mulheres pretas nordestinas e guerreiras, elas me fizeram assim. Mas minha mãe me dizia na infância: ‘você vai ser o que eu não fui, você vai ter o que eu não tive.’ Me reinventei por elas”, conta ela. 

Conheça projetos que ajudam pessoas negras a se inserirem na tecnologia 

  • Movimento Black Money: Hub de inovação para a inserção e autonomia da comunidade negra na era digital. 
  • Reprograma: Uma iniciativa de impacto social que foca em ensinar programação para mulheres em situação de vulnerabilidade social, econômica e de gênero, preferencialmente para pessoas negras e/ou trans e travestis. 
  • Thoughtworks Brasil: É um programa imersivo de entrada para iniciantes na área de tecnologia, 100% em português com foco em diversidade racial (pretas, pardas e indígenas).
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